Com muitas memórias e críticas sociais, a obra consegue construir canções cativantes
Referências e uma mistura do trap com os ritmos pernambucanos formam “O Som do Litoral”, primeiro álbum da carreira do jaboatonense Mago de Tarso. Com 12 faixas, a obra traz a identidade de um cantor que quer denunciar para o mundo sua realidade através de um jeito diferente e bem ousado.
O ano de 2024 foi de ascensão para o jovem cantor, 26 anos, que viu, através das rimas, uma forma de gritar para o mundo a importância de respeitar a cena e, principalmente, sua arte. Com músicas que furaram a bolha, como é Caranguejo do Trap, o cantor já deixou os fãs animados para o que estaria por vir na estreia do seu primeiro e maior trabalho até então.
Em “Som do Litoral”, Mago de Tarso conseguiu construir um álbum ao mesmo tempo equilibrado e bem agressivo. Ele traz uma mistura do gênero principal, que é o trap, com outros, como forró, funk, brega-funk, maracatu, afrobeat e, claro, bastante manguebeat.
“O Som do Litoral” é um projeto interessante e gostoso de ser escutado. Mago de Tarso trouxe, nessas 12 músicas, um pouco do som do litoral pernambucano.
Confira abaixo uma crítica especial de “O Som do Litoral”, produzida pela Manguetown Revista, com um review faixa a faixa do álbum que entrega referências, crítica e desenvoltura para o jovem artista.
VIA MANGUE - A faixa de abertura do álbum é uma das mais emblemáticas, e celebra fortemente as referências de Mago de Tarso a Chico Science & Nação Zumbi, além de toda a influência do Manguebeat. Somam a essa entrega Lúcio Maia, cantor e um dos precursores do movimento, e Prodbythb, produtor do álbum. A obra traz um trap bem marcado, e o ponto alto da é o sample de Comunista Rico, de Diomedes Chinaski, onde se ouve: “Buscando a ciência pra poder honrar a alma de Chico”.
Além disso, a canção traz, na abertura, uma fala de Chico Science sobre o início do movimento. Com isso, Mago fortalece o trap do Recife, referenciando diversas questões da capital pernambucana, para reafirmar a crítica sobre as ascensões sociais e a conexão com o amor.
SURURU COM CACHAÇA - Ostentação e superação não poderiam estar fora do álbum. O trap, tanto no Brasil quanto no resto mundo, é muito banhado por essas duas pautas. Porém, Mago de Tarso traz toda essa estética para sua realidade pernambucana. Vai até a Reserva do Paiva, localizada no Cabo de Santo Agostinho, uma região bem forte na especulação imobiliária, e mostra o que pode sair da mistura de dois produtos simples da culinária. Ele também traz referências da marca Ciclone, que, em Pernambuco, é utilizada por grande parte da periferia como forma de ostentação. Esses produtos são o sururu e a
cachaça, misturados com um afrobeat bem interessante.
GILDO LANCHES - Uma música diferente do que Mago de Tarso costuma trazer. Ainda assim, ela é bem próxima de Zinho e Mirella ( não faz parte do álbum), e até mesmo da anterior nesta sequência de análise.
A produção, mas fomenta, ainda, uma referência gostosa de Gildo Lanches, que é um clássico vendedor das ruas do Centro do Recife. A música, no entanto, peca por trazer muitas informações, e, em alguns momentos, se perder nas referências, e não cativa.
ESPAÇO ABERTO - A canção é um dos maiores acertos do álbum. Mago de Tarso consegue conectar o trap com um afrobeat e um brega de muita qualidade. Somado a Lucas Baha, a música traz uma referência enorme a uma das maiores casas de show, que é o Espaço Aberto, localizado na Zona Sul de Recife, que soma mais de 29 anos de existência e já foi palco de diversos espetáculos da cena pernambucana. A música é boa do início ao fim e mostra essa gigante versatilidade do cantor.
DURMA COM UMA BRONCA DESSA - “O caranguejo tem que cortar a corda, senão vai pra panela.” Mago de Tarso mostra como a desigualdade social e a violência policial são presentes no Brasil, mas com referências pernambucanas. A música fala, inclusive, sobre o jornalismo policialesco, ao referenciar o jornalista e apresentador Cardinot, conhecido por trazer um viés bem estereotipado da criminalidade do estado.
O álbum, como um todo, é marcado por muitos samples, e, nessa faixa, Mago não desperdiça. Porém, ele mesmo canta e traz Osmir da João, um clássico de MC Leozinho, o General.“Saiu da João, cumprimentou a família / Entrou no fusca e saiu pela avenida / A Norte veio, subiu o morro da Conceição / É, foi pra curtir o bregão”, diz um trecho. Diferente da letra original, Mago mostra que na canção não era seu último dia, como foi para Osmir.
MENDIGO PARAÍBA? (INTERLÚDIO) - Um respiro necessário e bem forte chega na metade do álbum, o momento mais agressivo que Mago de Tarso mostra nesta obra, com um temática que ele bate há muito tempo, desde seu surgimento na cena do trap pernambucano. O interlúdio, além de dar fôlego, dá uma pista do que vem a seguir, com músicas já conhecidas pelo público. Neste momento, no entanto, o cantor conta com a produção de Prod Haxz.
CARANGUEJO DO TRAP - Antes mesmo do nascimento completo do álbum, essa seria a música que transformaria não só a arte de Mago, mas a da cena como um todo. Referências cercam como um todo a obra, mostrando a seriedade e o comprometimento do cantor com o movimento Manguebeat. Desde os primeiros toques até o último segundo de música a música, a canção traz referências com muita qualidade e sabedoria. Uma união de rimas fez com que uma música ,sem tanta pretensão, elevasse o som e a importância do cantor.
TERRA DO FREVO - A canção tinha muito potencial para ser cativante e boa, porém ela cai em uma tentativa de mostrar Mago de Tarso por completo. Talvez essa não fosse a letra ideal para os beats. As referências são boas, mas a chegada do forró na canção não agrega muito para o conjunto A canção éé muito parecida com o interlúdio do álbum na parte da letra, e, ritmicamente, bem semelhante com Feito pra Voar, single lançado em outubro de 2024), que essa sim consegue ser interessante. A presença dos autotunes é muito boa na obra, mas, como um todo, ela não mostra nem Mago de Tarso, nem a Terra do Frevo.
O SOM DO LITORAL - Esse é um acerto de Mago. A obra, com o mesmo nome do conjunto, é um exemplo evidente de que ele poderia ter deixado o som ainda mais interessante se não fosse tão curta. Mas a canção é muito boa, pena que é breve demais. As referências são bem parecidas com todo o álbum: muita ostentação e muita agitação.
DE RECIFE A LUANDA - Uma das surpresas do álbum, a canção traz, além de muita ancestralidade, uma participação especial de Wild Gang, de Luanda, um cantor sem muita visibilidade, mas com uma arte muito massa. A obra é a única que tem um cantor de outro país e mostra como a capital pernambucana tem muita conexão com a capital de Angola, mostrando a ostentação dos dois locais.
CONSEGUIMOS - De fato, Mago não precisa mudar, até porque acertou em fechar o álbum com uma ótima música. Trazendo um sample de Sou Assim e Não Vou Mudar, dos gigantes Furacão do Forró, o cantor não só mostra que conseguiu chegar ao topo, como também venceu muitos desafios para estar ali De garçom a referência para muitos jovens que veem nele a necessidade de evidenciar a cultura do estado, a canção é a culminância disso tudo.
“O Som do Litoral” tem alguns tropeços, mas, como um todo, é um álbum muito bom e interessante. Mago de Tarso não só renovou a cena do trap pernambucano, mas também outros diversos ritmos, movimentos e estilos musicais que cercam o estado. E você consegue escutá-lo clicando no link abaixo.
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