É a voz do radialista Hugo Martins que percorre as ondas sonoras, chega aos ouvidos e marca presença na memória afetiva de quem sintoniza no programa “O Tema é Frevo” todos os sábados e domingos, às 16h.
Em 4 de outubro de 1967 ia ao ar, pela primeira vez, na antiga Rádio Universitária AM, o programa “O Tema é Frevo”. Em 2024, o programa comemorou 57 anos de atividade. O que já aparenta valer muito, passa a ter um significado ainda maior quando se descobre que nesse mais de meio século o programa não mudou de apresentador. Por este motivo, é considerado o mais antigo, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, a ser apresentado pela mesma pessoa. Desde a primeira edição até aqui, a voz que dá vida ao “O Tema é Frevo” é a do radialista Hugo Martins, de 87 anos.
“(A relação de Hugo com a produção radiofônica) é vital. Aquilo pulsa nele. Se você tiver com Hugo você vai vê-lo quietinho no canto dele. Fale em rádio, deixe ele vestir o papel de radialista, que ele se transforma na hora. O rádio é o que faz Hugo estar vivo”, afirmou o Vice-Diretor do Centro da Música Carnavalesca de Pernambuco (CEMCAPE), Carlos Dantas, em uma entrevista exclusiva para a Manguetown Revista.
Frevo, paixão de uma vida
Em 1967, Hugo recebeu um convite da emissora de rádio que trabalhava há algum tempo para ser apresentador. Na hora de escolher, sabia que o tema do programa seria o frevo. Isso porque o paraibano que chegou ao estado de Pernambuco aos 11 anos pôde descobrir cedo o entusiasmo que nutre até hoje pelo gênero, uma vez que, já nessa idade, ouvia diariamente as mais variadas composições de frevo. Para isto, bastava sintonizar no rádio da época.
Com o intuito de valorizar e preservar o principal ritmo de Pernambuco, Hugo idealizou e mantém o programa que é transmitido pelas ondas da Rádio Universitária 99.9 FM aos sábados e domingos, às 16h. Aos sábados o programa é dedicado a atender os pedidos dos ouvintes enquanto aos domingos Hugo deixa a criatividade fluir e traz temáticas diversas, “frevos com títulos iguais”, “frevos com nome de mulher”, são exemplos. A iniciativa continua a ressoar nos ouvidos de muitos pernambucanos que carregam o frevo e também o programa de rádio “O Tema é Frevo” na memória afetiva.
Por isso, a Manguetown Revista conversou com Carlos Dantas, para entender qual foi o papel do programa “O Tema é Frevo” e da apresentação de Hugo Martins na transformação do psicólogo por profissão em um compositor de frevos e na mudança de um fã do radialista em um mobilizador da luta pelo futuro e preservação do programa.
Assim como o frevo, o programa também faz parte da memória dos pernambucanos
Chega a época de carnaval e não é de se estranhar ouvir o frevo tocar em cada canto do Estado. Pernambucano que é, Carlos Dantas está acostumado com essa realidade desde a infância, por ouvir discos de frevo junto ao pai. Na adolescência, por volta dos anos 1980, o hábito permaneceu, mas algo estava diferente: o frevo não se restringia mais apenas ao carnaval. Graças ao programa de Hugo Martins, Carlos podia ouvir o gênero o ano inteiro.
Por volta dos anos 2000, o psicólogo foi chamado para apresentar um programa de saúde na Rádio Universitária AM. Carlos, entretanto, não esperava ter o caminho cruzado com o de Hugo Martins, radialista que acompanhava e admirava há anos. De ouvinte assíduo do programa “O Tema é Frevo”, Carlos tornou-se colaborador e colega do apresentador, do qual permanece sendo fã.
Os efeitos de Hugo Martins e do programa são percebidos no currículo, cada vez mais recheado de frevo, de um psicólogo. O que começou como um programa de saúde virou um programa exclusivo para compartilhar composições da cena, chamado “Frevo na Sombrinha”, transmitido de 2004 a 2005. Além disso, aquele que a princípio era ouvinte de gênero, tornou-se compositor e soma hoje mais de 25 frevos autorais, como o “Não Vá Perder o Bonde” e “O Bloco do Amor Perdido”, para o repertório do gênero pernambucano.
Após a pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2021, assumiu a Vice-Presidência do CEMCAPE, sociedade sem fins lucrativos fundada em 1986 por Hugo Martins e por outros grandes nomes do frevo de Pernambuco. Lá, ele ajuda a enriquecer a cena do frevo com a produção, gravação e promoção de composições de Frevos de Bloco, Frevos de Rua e Frevos Canção dos artistas que, apesar das dificuldades, continuam a compor, “porque o frevo bate no sangue do pernambucano e está lá dentro pulsando”, como bem declarou Carlos.
“Em todas as épocas do ano se ouve música popular brasileira e frevo é música popular brasileira”
A frase acima é repetida por Hugo a cada nova edição do programa e representa o esforço do apresentador em reafirmar o local que o frevo ocupa e a importância do gênero para a sociedade.
“Hugo costuma dizer que antes existiam repertórios de frevos que tocava na rádio, mas de repente parou”, comentou.
A observação de Carlos é pontual e está associada à mudança que os veículos de comunicação enfrentaram após o Golpe de 1964, responsável por também impactar na programação transmitida pelas rádios do país.
“É o contexto histórico-político-social-econômico que faz com que o frevo seja escanteado cada vez mais. Não por ele ser ruim ou subversivo, mas porque o que tinha que tocar era o tipo de coisa que não levasse o povo a se perceber alí”, acrescentou.
O surgimento do frevo, que data da virada do século 19 para o século 20, remete a um período de profundas transformações políticas e sociais. Por surgir nas camadas mais subalternizadas da sociedade, associado à capoeira e à abolição da escravatura, o frevo lutou contra os estigmas para conquistar um espaço de reconhecimento. Inicialmente, ocupou a grade de programação das emissoras de rádio, para, finalmente, ser ouvido por mais brasileiros. Com o tempo foi que passou a ser visto e valorizado pela população como o “gênero carnavalesco” e pelos pernambucanos como o “gênero do Estado”.
Anos depois, mais especificamente em 2007, recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e, em 2012, o de Patrimônio Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas (UNESCO). Títulos esses que apenas formalizaram o sentimento que o povo já nutria pelo fervor do “gênero carnavalesco” e que fez, lá em 1967, 40 anos antes dos títulos, Hugo Martins sentir a necessidade de criar um programa para fazer o frevo de protagonista.
Nos anos iniciais, o programa de Hugo já estava engajado em combater o estigma, muito antigo e muito fortalecido pela mídia, que limita o frevo a uma música de carnaval.
“Até hoje, todos os sábados e todos os domingos, o programa dá visibilidade para o frevo. E se puder fazer e apresentar todos os dias, Hugo fará, para que o frevo esteja na mídia, pois isso colabora para que as pessoas reconheçam e vivenciem esse patrimônio como seu”, adicionou Carlos.
Para preservar os 57 anos, é preciso planejar o futuro
São 57 anos de atividade em nome do gênero e em nome da luta para mostrar que o frevo não é só dança, não é só música de carnaval, é sim uma rica expressão musical e poética de Pernambuco, impregnada na história e nas veias dos pernambucanos.
Na “Capital do Frevo”, o programa de Hugo Martins foi, por muito tempo, o único do Estado. Realidade que mudou em 2012, após o frevo receber o título de Patrimônio pela UNESCO, com a idealização e apresentação, também por Hugo Martins, do programa “Frevo Patrimônio Cultural da Humanidade” que vai ao ar de segunda à quinta das 13h às 13h30 pela mesma emissora, a Rádio Universitária 99.9 FM.
Atualmente, o CEMCAPE assumiu a responsabilidade de viabilizar o futuro dos programas. A depender de Carlos Dantas, “o programa não vai ser entregue para qualquer um, de qualquer jeito”, porque, valorizá-los é valorizar o gênero do Estado e é preservar a memória afetiva de milhares de pernambucanos que, quem sabe, podem estar sintonizados no programa “O Tema é Frevo” desde 1967.
Então, para ficar por dentro da cena de frevo que está fervendo para além do carnaval em Pernambuco, basta acompanhar os trabalhos de Hugo Martins, de Carlos Dantas e de muitos outros associados do CEMCAPE pelo Instagram @cemcape_oficial
As edições anteriores de “O Tema é Frevo” não estão disponíveis, mas o programa segue indo ao ar, ininterruptamente, todos os sábados e domingos, das 16h às 17h, pelas ondas da Rádio Universitária FM. Para ouvir Hugo Martins dando vida ao programa e falando de frevo o ano inteiro, é só sintonizar na 99.9 FM.
Vida longa a Hugo Martins e a todos que amam o frevo.
Parabéns "O Tema é Frevo" pelos 57 anos de atividade!
Um grande viva a esse gigante radialista, Hugo Martins!